O desenvolvimento dessas plataformas tem, como parte integrante de seu squad de trabalho, profissionais do direito especializados, bem-preparados e extremamente hábeis nas duas linhas seguintes: interpretativa e de engenharia de dados.

Tem-se visto inúmeras plataformas de gestão de dados e, até mesmo, de aplicação e de enquadramento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Os avanços tecnológicos, de fato, nos permitem essa facilidade de automatização e, até pode parecer um contrassenso que a civilização que avançou tão solidamente na construção de um ambiente cibernético, não consiga pelas mesmas vias se auto aplicar. Até poderá, mas não de início.

Falta maturidade a nós e à tecnologia para abranger atividades mais complexas, cuja compreensão se destila na humanidade. A Inteligência Artificial (IA) ainda não alcança, com eficiência, conceitos robustos como justiça, dignidade, equidade, solidariedade e sustentabilidade – todos conceitos não normativos e não objetivos -, mesmo que estes sejam grande campo de desenvolvimento de Redes Neurais Artificiais.1

As técnicas computacionais chamadas Redes Neurais Artificiais são concebidas como os neurônios do cérebro humano. Usando algoritmos, elas podem reconhecer padrões escondidos e correlações, por meio de um modelo matemático inspirado na estrutura neural que adquirem conhecimento através da experiência. O comportamento inteligente de uma Rede Neural Artificial vem das interações entre as unidades de processamento da rede.

Até mesmo a alta tecnologia desenvolvida para colocar no mercado carros autônomos conta com “ethical knob” ou “botão ético”, por meio do qual o passageiro elege o padrão moral a ser seguido pela máquina, tendo como possibilidades: a) altruísta total (modo pelo qual se privilegia a vida do outro; b) egoísta total (privilegiando a sua própria vida); e c) o modo imparcial, no qual fica a cargo da inteligência de máquina decidir qual a melhor solução para eventual risco de acidente.

Por essa razão, as soluções comerciais de Inteligência Artificial requerem uma teoria social complementar e conhecimentos empresariais especializados, e esta perspicácia passa pelas ciências sociais.

No caso da LGPD, o desafio é lançado sobre os operadores do direito para transformar processos não estruturados, ou pouco estruturados, em processos estruturados em uma base legal que, embora em vigor, também está em fase de construção.

Dessa maneira, partiremos de um cenário, no qual as informações são grosseiramente classificadas, ante à inexistência anterior de parâmetro objetivo que as enquadrassem, e obedecendo a persona de quem as colhe, para um cenário no qual os dados, de toda e qualquer pessoa natural, receberão algum tratamento, nos termos da lei.

A LGPD, como dispositivo de regulamentação pública, deve ser coordenada com a governança, sendo está um dispositivo de regulamentação interna, e estar distante de ser um procedimento de adesão, que pode ser unificado ou reduzido à forma de uma plataforma de adequação/gestão de dados, em um momento inicial.

O desenvolvimento dessas plataformas tem, como parte integrante de seu squad de trabalho, profissionais do direito especializados, bem-preparados e extremamente hábeis nas duas linhas seguintes: interpretativa e de engenharia de dados. Porém ou desde que, partindo de dados apurados clara e corretamente. Assim, os softwares das plataformas de tecnologia serão primordiais para o êxito da implantação da LGPD, considerando também os prestadores de serviços de TI e assessoria jurídica.

“Como observação geral, a definição de ‘conformidade’, em termos epistemológicos, significa a ‘compatibilidade de forma’. Tal expressão, quando observada pela linguagem matemática, pode gerar o seguinte contexto: digamos que a LGPD é um círculo, e cada empresa em sua dinâmica peculiar se assemelha a triângulos, quadrados, retângulos e hexágonos, cujos vetores têm robustez no traçado, mas são sublinhados padrões morais, éticos, históricos e mercadológicos de cada corporação. Assim, sobrepô-las não é tarefa objetiva como o encaixe de figuras geométricas de um brinquedo educativo”

Para a harmonia entre as formas, o momento crucial da jornada da conformidade é o da interpretação da lei, de maneira adaptativa e preventiva, considerando imperiosa a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, especialmente, quando consideramos a maturidade das empresas brasileiras. A cultura empresarial brasileira não absorveu que ainda é necessário fazer uma “tradução” entre a cultura interna, processos, pessoas (leia-se governança) e a base legal da LGPD, pois esse alinhamento é extremamente refinado.

No âmbito privado, consideramos que as Políticas de Privacidade terão como matrizes principais duas situações: I – o consentimento do titular; e II – o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador. O consentimento do titular, tal como já bem construído jurisprudencialmente na aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe o conhecimento indubitável das condições da relação decorrente do aceite, o justo limite da transparência e finalidade. No que tange ao cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador, este parece ser o grande fundamento para tudo. E, certamente o é, mas qual o limite de sua generalidade?

A incorporação da LGPD pró-forma, ou seja, por pura formalidade, exclusivamente via plataforma de adequação, não atenderá à realidade do negócio e, tampouco, resguardará o mesmo, haja vista que não coloca sombra sobre as minúcias procedimentais da coleta ao tratamento dos dados. Assim sendo, os atos mais rotineiros das relações empresariais poderão ser a via pela qual a segurança escorrerá, como óleo sob a engrenagem da máquina sem que ninguém veja ou sinta.

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1 As técnicas computacionais chamadas Redes Neurais Artificiais são concebidas como os neurônios do cérebro humano. Usando algoritmos, elas podem reconhecer padrões escondidos e correlações, por meio de um modelo matemático inspirado na estrutura neural que adquirem conhecimento através da experiência. O comportamento inteligente de uma Rede Neural Artificial vem das interações entre as unidades de processamento da rede.

 

Roberta Menezes Coelho de Souza –  Aluna Nau d’Dês
Advogada e Líder em Inteligência Artificial e Análise de Dados pela Universidade de Chicago – USA, Líder em Inovação pelo MIT e Mestranda em Direito pela Universidade de Lisboa.

Este conteúdo foi publicado originalmente em: https://www.migalhas.com.br/depeso/348991/plataformas-de-adequacao-a-lgpd